Escrito por Rosely Sayão
A experiência da Escola da Ponte
Muitos professores, em seus comentários, afirmam que eu não conheço a realidade escolar. Por que será que eles pensam assim? Será que é porque eu não aceito o modo de funcionamento atual e sei que é possível resolver a maior parte desses problemas basicamente assumindo uma outra posição ética e política?
Hoje vou começar a contar uma experiência escolar significativa que ocorreu em uma escola em Portugal e que tem inspirado algumas escolas daqui do Brasil – públicas, inclusive – a mudarem radicalmente seu trabalho. Trata-se da Escola da Ponte, uma escola pública portuguesa que fica em Vila das Aves, conselho de Santo Tirso, na cidade do Porto.
Quando estive lá pela primeira vez estava quase desistindo de trabalhar com educação. Na verdade, conhecer essa escola, para mim, era uma despedida do campo educacional. Estava muito desiludida com os rumos da educação, por isso cheguei a considerar uma mudança de rumo profissional. Após conhecer a escola e sua experiência, voltei atrás em minha decisão. Afinal, se é possível isso ocorrer em uma escola, pode acontecer em qualquer uma.
Eu conhecia pouca coisa a respeito da escola. Sabia apenas que era uma escola que desenvolvera um projeto inovador que lhe deu visibilidade internacional nos meios educacionais. Mas, do projeto em si, eu quase nada sabia. Havia lido um livro escrito pelo Rubem Alves a respeito da escola, mas confesso que não havia apreciado.
Bom, nessa minha primeira visita fui com um grupo de educadores e, assim que chegamos, antes mesmo de entrar na escola, me perguntei o que eu estava fazendo lá. A aparência da escola me deixou desiludida. É igual a uma escola pública daqui: um equipamento feio, mal cuidado, que em nada indica que esconde uma riqueza educacional escolar incrível em seu ambiente interno.
Assim que entramos, estranhei o silêncio. Cerca de 200 alunos lá dentro – é uma escola pequena para o padrão de nosso país, mas não para o deles – trabalhavam em pequenos grupos falando baixo, e totalmente concentrados em suas tarefas. O então coordenador da escola, professor José Pacheco, nos recebeu, pediu que nos dividíssemos em pequenos grupos e indicou um aluno para cada grupo para que nos apresentasse a escola. Na época, a escola trabalhava apenas com o ciclo 1, o que para nós equivale até a quarta série do ensino fundamental.
Pensam que os alunos nos apresentaram o ambiente físico? Que nada. Eles explicaram o projeto pedagógico lá praticado, e com uma clareza e compreensão de dar inveja a muito professor. E tratava-se de alunos com idade em torno dos 9, 10 anos.
Bem, hoje vou dar, resumidamente, as propostas gerais do projeto lá praticado: gestão democrática da escola em todos os níveis (professores, alunos e pais); busca de autonomia do aluno em sua relação com o conhecimento e com seu processo de desenvolvimento; o progresso pessoal dos alunos é sempre considerado no âmbito coletivo; todo tipo de aluno é incluído no processo escolar. O principal, entretanto, é a relação do professor com seu ofício.
Lá, os professores exercem sua autoridade com o objetivo de introduzir e manter os alunos numa convivência social justa e responsável pelo espaço público. É possível observar com clareza a forte e decisiva atuação dos professores que não têm constrangimento em exercer seu papel quando é necessário conter excessos dos alunos, cobrar as responsabilidades assumidas, exigir a concentração e o esforço necessários ao desenvolvimento nos estudos. Lá, o aluno tem liberdade para escolher o que e quando estudar; entretanto, não pode escolher não estudar. E são os professores que manejam o processo para que isso ocorra, mesmo e inclusive quando há dificuldades e obstáculos.
Há mais ou menos 30 anos, a Escola da Ponte era uma escola como outra qualquer que enfrentava problemas que conhecemos bem: alta rotatividade de professores, alunos desinteressados e com problemas de aprendizagem, alto índice de evasão escolar, baixo rendimento nas avaliações, alto índice de faltas de professores etc. Além disso, o prédio em que funcionava a escola não apresentava condições mínimas para receber os alunos e seus professores. Os alunos não tinham banheiro fechado, por exemplo.
O professor Pacheco, que dava aulas nessa escola, resolveu virar a mesa: passou a contatar os pais de seus alunos em busca de colaboração, a conversar com professores em busca de união e, pouco a pouco, nasceu o projeto que hoje lá é praticado. Conseguiu formar uma pequena equipe de professores e um pequeno grupo de pais que, comprometidos com a causa da educação, passaram a construir uma nova concepção de escola. Mas cabe ressaltar que pais e professores não confundem nunca o papel de cada um.
É preciso dizer que esse processo ocorreu em meio a muitas dificuldades, inclusive legais, porque a legislação portuguesa não dá autonomia alguma às unidades escolares, ao contrário da nossa, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
Os professores que passaram a formar a equipe construtora do projeto mudaram radicalmente a visão da educação escolar. A mudança mais importante que o projeto promoveu foi, sem dúvida, a ruptura com a organização escolar em classes seriadas. Essa medida provocou grandes mudanças: nenhum professor é responsável, sozinho, por uma turma, já que elas não existem. Toda a equipe docente é responsável, indistintamente, pelo desenvolvimento e acompanhamento do coletivo dos alunos.
Todo o conteúdo a ser cumprido, de todas as disciplinas, foi transformado em objetivos a serem alcançados com pesquisa orientada e exercícios. Dessa maneira, os professores não precisam dar aulas expositivas, a não ser quando um grupo de alunos solicita ajuda quando enfrenta dificuldades. Do mesmo modo, as avaliações ocorrem à medida que o aluno dá conta de seus objetivos: para passar adiante, ele precisa mostrar que aprendeu o que deveria. Vejam que isso permite que cada aluno se desenvolva segundo seu ritmo. E, na verdade, esse é o verdadeiro sentido da progressão continuada.
Há muitos dispositivos que dão suporte ao projeto da Escola da Ponte, e eles podem variar a cada ano letivo. Cito alguns exemplos: reuniões semanais de grupos de alunos com seu professor tutor, assembléia semanal de alunos, reunião semanal de professores, plano de trabalho dos alunos, grupos de responsabilidade, etc. Ainda voltarei a comentar melhor alguns dispositivos.
Quero falar ainda da definição, clara e transparente, do espaço escolar como público. É isso que permite que os alunos iniciem a travessia do percurso da vida em família à vida em sociedade. Tudo – eu disse tudo – o que acontece no cotidiano escolar é levado ao conhecimento de todos, que são chamados a se responsabilizar por tudo. O espaço é de todos, realmente: lá não há salas com portas fechadas. E é a atuação firme dos professores que faz com que o registro pessoal seja respeitado sem que o individual seja priorizado.
Contar a minha visão a respeito desse projeto é uma tarefa mais árdua do que imaginei. Por isso, terei que voltar várias vezes ao tema e, também, contar com a colaboração de vocês com pedidos de esclarecimentos, com discussões e questionamentos, ok?
Uma leitora do blog perguntou se considero a Escola da Ponte a escola ideal. Não, não a considero ideal, nem perfeita. Como qualquer outra escola enfrenta dificuldades, comete equívocos, se atrapalha e às vezes perde de vista seu projeto. O que me entusiasmou no projeto da Ponte foi a maneira radicalmente diferente de enfrentar os desafios que todas as escolas enfrentam.
O ponto fundamental do projeto é a equipe de professores. Eles trabalham em união, de forma solidária e co-responsável, expressam claramente suas discordâncias e conflitos em busca de negociação, dialogam sempre, criticam-se uns aos outros, se apóiam. A equipe toda se envolve com o trabalho e, com empenho e dedicação, tentam levar adiante o projeto. Trabalham com coleguismo verdadeiramente. Quando a equipe fraqueja, o projeto sofre.
Na segunda visita que fiz à escola, a presença de vários professores novos e a existência de rupturas entre membros da equipe tornaram a escola bem diferente. Já não havia o silêncio, a disciplina e a concentração necessária dos alunos porque os professores não exigiam tanto deles. Isso deixou ainda mais evidente o quanto é decisivo a atuação dos professores e quão fundamental é a adesão de todos eles ao projeto da escola.
Outro ponto que me conquistou foi o modo como a escola encara os problemas que enfrenta. Em vez de considerar que há alunos com problemas de aprendizagem, por exemplo, a escola assume que não sabe ensinar para qualquer tipo de aluno e busca novas maneiras de abordar a questão.
Finalmente, o projeto da Ponte soube inovar sem pressa e sem grandes anseios de resultados imediatos. É preciso lembrar que o projeto começou a ser construído mais ou menos há trinta anos, e continua em construção. Educação é um processo longo, não é?
É preciso reconhecer a coragem e a ousadia dos professores que participaram e ainda participam dessa empreitada. Eles precisaram encarar, em primeiro lugar, seus próprios conceitos e preconceitos e fazer uma rigorosa crítica a sua própria atuação para mudar aquilo que está tão solidificado.
A grande lição da Ponte é que qualquer escola pode ser diferente e praticar um bom ensino a seus alunos. Para tanto basta partir do princípio que todo tipo de aluno pode ser ensinado, que os professores da escola formem uma equipe, que construam seu próprio projeto – por isso o professor Pacheco fala que a Ponte não pode ter clones – e respondam por ele.
Pode parecer que na realidade brasileira isso não se aplica. Discordo. O projeto da Ponte foi construído considerando-se a realidade deles. Aqui, deve ser considerada a nossa realidade. Acompanhei de perto a instalação de um projeto inspirado (inspirado não é copiado) lá em uma escola pública aqui em São Paulo, com cerca de mil alunos. Professores que, inicialmente, estavam reticentes quanto às mudanças, no trajeto se entusiasmaram porque testemunharam os efeitos delas. Outros não aderiram ao projeto porque dizem, entre outras razões, que nossa realidade é diferente. Esse é o maior empecilho ao desenvolvimento de qualquer projeto.
Sim, nossa realidade é bem diferente. Então, uma pergunta: por que é que nos conformamos com esse modelo escolar que conhecemos e que não foi construído para a nossa realidade?
PS: Ainda há muito que falar a respeito dessa experiência, mas vou dar uma pausa no assunto para contemplar outros. Alguns leitores que conhecem a escola querem fazer seus comentários. Podem enviar que eu os publico, ok?
Escrito por Rosely Sayão
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E-mail: cfclfreitas@yahoo.com.br
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Suplente: Patrícia
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quinta-feira, 20 de março de 2008
FILMES E LIVROS - EU QUERO
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Leiam até os mínimos detalhes porque tem bastante coisa importante e interessante, e qualquer dúvida deixe um comentário !!
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